lunedì 12 aprile 2010

Duarte Pinheiro - recensão do último livro de Ana Teresa Pereira


No seguimento da pequena notícia publicada anteriormente neste blog


aqui fica o texto integral do Dr. Duarte Pinheiro sobre o livro "O Fim de Lizzie e Outras Histórias" de Ana Teresa Pereira (Relógio D'Água).


O Fim de Lizzie e Outras Histórias – Ana Teresa Pereira – Relógio D’Água

“Para escrever precisamos não só de uma certa dose de esperança mas de um certo grau de felicidade. Não há finais felizes, mas há viagens felizes.” (p. 199) e Ana Teresa Pereira consegue ser, uma vez mais, feliz. Com o presente livro a autora comemora vinte anos de carreira literária e mantém-se nele fiel às histórias, ao estilo, à escrita, às personagens que sempre gostou de criar. O Fim de Lizzie e Outras Histórias é uma trilogia que se inicia com “Numa manhã fria”, um dos melhores contos da escritora funchalense já publicado em Histórias Policiais. A história de uma herança, uma casa, Wistaria Hall, quatro personagens, Kevin, John, Lizzie e Miranda, e sete cruéis e longos anos de espera. A segunda narrativa, O Fim de Lizzie, um conto também já anteriormente publicado num livro homónimo, constitui uma outra versão da mesma história. Deparamo-nos com o mesmo cenário, a mesma atmosfera densa que envolve Wistaria Hall e as mesmas personagens; apenas a forma como estas criam e (se) matam é diferente. A terceira e última história é, para um leitor atento de Ana Teresa Pereira, a verdadeira novidade deste livro e intitula-se O Sonho do Unicórnio, um conto.
O Sonho do Unicórnio podia muito bem ser considerada uma outra versão da mesma história, ou talvez, a original. As histórias desta escritora são rascunhos que anunciam algo que está para lá do entendimento, de uma realidade escondida nas trevas. E nesse sentido O Sonho do Unicórnio é somente uma leitura do filme Blade Runner, de Ridley Scott - “Se me lembro de que sonhei com um unicórnio, é porque sou real.” (p.203) afirma Kevin para se certificar de que existe, o sonho como forma de existência, à semelhança do que a memória o é para os andróides do filme. E, por vezes, a irrealidade tem mais força do que a própria realidade, ela que acaba por ser a única realidade possível para as personagens pereirianas. Mas em O Sonho do Unicórnio há, ao contrário das outras narrativas, algo de acabado: a noção de inteireza. E o posfácio (O Mar das Flores) de Fernando Guerreiro é elucidativo disso. Kevin parece estar só, talvez tenha estado sempre sozinho com os seus fantasmas (talvez nem exista), naquele que é um tratado sobre a escrita e a condição humana que lhe é inerente, a solidão. Rilke teorizava que “O essencial é acima de tudo isto: a grande e íntima solidão. Apropriarmo-nos de nós e durante horas não encontrar ninguém – é isso que devemos alcançar. Ser só, da forma como fomos em criança” e neste livro de Ana Teresa Pereira, no qual mitologia e infância se fundem, “como a primeira noite da criação, ainda com reminiscências do caos.” (p. 143), tais palavras nunca fizeram tanto sentido. Cabe então ao leitor acompanhar solitariamente Kevin pelos corredores de Wistaria Hall e levantar um pouco mais o véu no desvelamento do universo narrativo pereiriano. Um to be continued no final de O Sonho do Unicórnio alerta o leitor, porém, de que esta poderá ser apenas mais uma paragem numa viagem eterna, um mergulho no infantil mundo dos sonhos e pesadelos de Ana Teresa Pereira.


Duarte Pinheiro

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